quinta-feira, 26 de abril de 2012

Onde estará a verdade?


Onde estará a diferença entre a viva vivida, ou seja aquela que é experimentada no exacto momento em que a vivo, e aquela que é recordada e descrita posteriormente, isto é, a vida contada? Explico-me. Pode acontecer com alguma, ou bastante, frequência que quando nos pedem para contar as novidades nos apercebamos, no ato de contar, que há uma diferença entre aquilo que foi vivido e o respectivo impacto que isso produziu, com aquilo que agora narramos e contamos. Por exemplo, é muito provável que já tenha acontecido que de uma situação destruidora e amarga (experiência vivida) conseguíssemos numa ocasião posterior reconhecer-lhe como sendo, afinal, lugar de graça (experiência contada). É provável, muito provável, que isto já nos tivesse acontecido. Se não isto, o contrário: aquilo que naquele instante parecia ser um bem, afinal veio a ser interpretado com um mal.

A observação deste desajuste pode levar-nos a uma primeira questão: uma vez que poderá não existir coincidência entre “o que vivi” (a experiência) e a “narração do que vivi” (a interpretação), onde estará então a verdade? Ou se preferirem: a qual dos dois devo dar maior confiança?
Inegavelmente que a “vida vivida” transporta consigo matéria de verdade, uma vez que ela nos revela e nos mostra, através de situações e de ocasiões concretas, aquilo que há de mais profundo em nós e nos outros. No entanto, esta “revelação” não estará totalmente terminada enquanto não for acolhida, mastigada, saboreada e interpretada. Este gesto de interpretar, que normalmente acontece no acto de narrar, possibilita que eu atribua sentido à totalidade de uma história vivida até então.

Mesmo à noite, quando recordamos por um instante aquilo que se passou durante o dia reconhecemos com algum espanto o sentido de uma dificuldade que pareceu ser sem sentido. Somos, portanto, visitados e agraciados pela graça que cria e dá forma àquilo que antes se apresentava como informe. Portanto, penso que escutar o impacto de cada momento vivido será, obviamente, importante mas mais do que isso será necessário saber observar, interpretar e narrar esse momento. E isso só será possível com o hábito diário do silêncio. E com o hábito de uma boa conversa.

Como dizia muito sabiamente o cardeal John Henry Newman, “a presença de Deus, não será discernida no preciso momento em que ela se manifeste sobre nós; mas mais tarde, quando dirigirmos o nosso olhar para trás”.